quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Crónicas da Serra Leoa, #3


Já começo a assimilar alguns hábitos tipicamente africanos. Um deles é tratar as pessoas por Sir ou Mister, e claro ser cumprimentado ou apresentado a alguém por Sir Michael. No início achava estranho até porque a minha memória levava-me logo ao Sir Elton John, depois deixei-me desses pensamentos e cada vez que ouvia o Sir ficava com a peitaça dilatada; agora é como se me chamassem por Miguel, mas quando voltar, mãe, é: Sir Michael could you please clean up the dinner table, caso contrário a coisa pode não funcionar.

Outro hábito é o aprender a aceitar. Este é mais complicado. O aceitar vem de uma sensação de impotência em relação ao que não se consegue controlar, associado a um óbvio pensamento preguiçoso. A parte do preguiçoso foi muito fácil para mim, mas o desistir é complicado, invariavelmente o cansaço acaba por ganhar e o pensamento de que amanhã também é dia aparece como salvador. Estou a ficar africano.

Vendedores ambulantes de iogurtes em carrinhos de bebé com leds chineses (momento no comment, estilo EuroNews apenas para recriarem uma possível imagem na vossa mente).

As reuniões com gente importante continuam, algumas engraçadas com interrupções através de manifestações gástricas pelo meio, não da minha parte está claro. Da minha parte o difícil é não me rir, muitas vezes acabo por ferir o lábio de tanto esforço.

Já andei de táxi. Nissan Sunny que mais parece uma aparelhagem com rodas. Os táxis são partilhados e param em todo o lado sem qualquer respeito pelos outros condutores, cães, gatos, galinhas, porcos, lagartos e até peões. Sempre que entro num destes fantásticos veículos comunitários penso que será necessária uma calçadeira para me descolar do assento com atracção magnética, com a diferença de o íman ser substituído por substâncias pegajosas que felizmente não consigo identificar.

Como prometido nos fins-de-semana tento explorar as fantásticas praias que este país tem. River Number 2, aqui os rios têm números tipo avenidas em NY em vez de nomes, um verdadeiro acordo tripartido entre a praia, rio e selva. Sensação incrível estar no mar voltado para a selva e pensar que a qualquer momento posso ser cumprimentado por um King Kong qualquer. Comprei uma bola de futebol, 41 000 Leones (moeda local), claro que fui aldrabado, mas tenho de pensar que o dinheiro extra que dei ao miúdo vai para algo útil e não para a Heineken que me apetecia beber, e que bebi na mesma. A bola durou 5 minutos nas minhas mãos, não por culpa dos meus fantásticos dotes de Cristiano Reinaldo, mas culpa do miúdo que me vendeu a bola, foi jogar com os amigos! Comecei a pensar na minha Heineken, mas depressa me juntei à festa e no final, muito educadamente (viva a cultura britânica) devolveu-me a bola.
Neste último sábado estava decidido a ir ver alguma vida selvagem, até porque até ao momento o único animal selvagem que tinha encontrado por estas bandas era o Branco. Então arrastei a Vafa para ir ver o santuário dos Chimpanzés perto de Freetown. De factos estavam lá muitos Zés, mas fiquei desiludido com o sítio. Estava à espera de algo tipo Kruger Park, in the wild, mas no final era tipo um Zoo mas com mais árvores… Tacaguma sitio onde podes ser apedrejado por Chimpanzés, deveria ser o slogan de entrada. Claro que aprenderam com alguém, suspeito que seja mais um efeito secundário da guerra, que infelizmente também acabou com muito da vida selvagem deste país…
Nesse mesmo dia ainda fomos visitar uma cascata incrível perto de uma aldeia chamada Charlotte. Esta sim valeu a pena a penosa viagem de carro entre buracos e má condução de todos. Sítio fantástico com gente fantástica, mas claro com o devido pagamento de praxe para ajudar a população local, espero mesmo que assim o seja.

A vida é cara. Bem é cara para quem quer ter acesso a algumas mordomias europeias, como pasta de dentes! Uma refeição sem grandes fomes nunca fica abaixo dos 10€ e corremos sempre o risco de estar a pagar muito para além de uma simples refeição. Os 10€ podem incluir uma fantástica tarde na casa de banho com direito a fogo-de-artifício!

Os Leones, a moeda local, são tipicamente africanos. Sempre que vou ao banco levantar dinheiro preciso de levar a mochila para conseguir transportar os maços de notas que pouco valem. Parece mesmo que estou a assaltar o banco e depois é tudo aos mil. Uma cerveja custa 8 mil leones, uma cola 1500 leones (muito barata). Perguntam-me e bem, mas porque é que não tiram os mil? Os amendoins custam 250 leones e inflacionar o preço dos amendoins ia tirar muita refeição a boa gente!


By Miguel Sena

Sem comentários:

Enviar um comentário